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Ser travesti no Brasil

É necessário que quando uma travesti preta fala, paremos e a escutemos

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Imagem da página Somos Todos Veronica Foto: Facebook / Reprodução

Talvez com esse texto eu venha a emocionar muitas pessoas que vão lê-lo. Ou simplesmente contar da minha vivência para outros e para as minhas iguais, manas e travestis, porque é muito louco imaginar que, de certa forma, as vidas das travestis estão ligadas.

Sempre tem o role da identificação e da representatividade que é bastante forte, por muitas terem passado a mesma coisa e muitas estarem na rua, na prostituição, porque aparentemente “é só isso que as travestis sabem fazer: serem putas”. Não estamos no mercado formal de trabalho, não conversamos com travestis, não vemos as mesmas no dia a dia; somente à noite.

E isso passa a ser sintomático, não é? Passa a ser sintomático pela simples questão de que com a nossa cultura a educação sexual e de gênero, através do tempo nos fora ensinado e passado através de gerações. N comportamentos transfóbicos, N coisas problemáticas que nós sabemos que a sociedade está cheia.

“O senso comum, a não capacidade de buscar informações destrói a nossa sociedade como um todo, pelo fato de que as pessoas se atrelam a opiniões de outras pessoas e reproduzem isso sem ter a própria opinião”.

Mas, vamos ao que estou aqui para contar…

Estou eu pela minha timeline no Facebook e me deparo com um post X de um amigo, que pode até inicialmente não ter nada a ver com essa pauta da travestilidade que eu abordo aqui nos meus posts no Blog Tulipa Vermelha, mas que com um pouco de observação, você verá que tudo se encaixa.

Enfim, o post dizia sobre algo X, mas o que me intrigou mesmo foi a frase de reflexão no final:

“ESSE ANO QUE TÁ SE ENCERRANDO TU VIVEU PRA VALER OU TU SÓ VIVEU PRA SOBREVIVER”?

E isso ficou na cabeça por muitos minutos, os quais eu nem contei, mas meu cérebro já começou a questionar que esse posicionamento pode levar muitas pessoas cisgêneras a se questionarem suas vivências acerca desse ano que já está acabando. Mas, e as pessoas trans?

Se pararmos um minuto e observarmos o cenário atual da situação real de como se encontra as travestis e transexuais do Brasil, eu questiono: Será que estamos dando oportunidades suficientes pra essas travestis? Porque todo dia é resistência. Todo dia é AFROntamento.

Eu, como travesti, tenho dias insuportáveis que não quero sair nem da minha cama. Porque eu não tenho paz, não existe paz na minha vida. ENQUANTO TRAVESTI EU POSSUO UM CORPO POLÍTICO, UM CORPO MARGINALIZADO.

Se entende que sou travesti por apenas pisar na calçada ou na rua. E ainda morando aqui em São Paulo, estado que praticamente move o pais em questões industriais, financeiras, muita gente passa por aqui. E é claro, as pessoas riem, apontam o dedo, fazem chacota.

Até aí, eu, Cecília, lido “tranquilamente”. Mas por tanta gente circular pela capital, me deixa apreensiva sempre que saio de casa porque eu não sei quem eu vou encontrar na próxima esquina. Pode não ser ninguém, como pode ser meus últimos segundos de vida.

E vem as notícias que sempre recebemos da comunidade trans:

“FULANO, MAIS CONHECIDO COMO FULANA, TRAJANDO ROUPAS DO SEXO FEMININO, FORA ENCONTRADO MORTO NO RIO XXXX NA CIDADE XXX”

Fonte: http://www.ebc.com.br/sites/_portalebc2014/files/atoms_image/arte-veronica-2.jpg
Fonte: http://www.ebc.com.br/sites/_portalebc2014/files/atoms_image/arte-veronica-2.jpg

Quando se é computado estatisticamente as nossas mortes, são “homens travestidos com roupas femininas”. Antes era tudo generalizado como “viado”. Ou quando nossos corpos, que para sociedade NÃO SÃO IMPORTANTES, é ENCONTRADO MORTO DENTRO DE UMA VIATURA DA POLÍCIA.

E como esse corpo chegou lá? Porque isso não foi noticiado? Será que se fosse um cantor importante da MPB, cisgênero, branco e de classe média, não seria feito todo um RETETE para saber a causa? E por que o da travesti não houve toda essa comoção?

Eu te pergunto novamente:

SERÁ QUE ESTAMOS DANDO OPORTUNIDADES SUFICIENTES PARA ESSAS TRAVESTIS VIVEREM SUAS VIDAS PRA VALER OU APENAS PARA SOBREVIVER?

  • O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Matando 70% mais que o segundo país na lista, que é o México.
  • 90% das travestis e transexuais se encontram no mercado da prostituição no Brasil.
  • E 99% dessas travestis e transexuais tem em seus corpos, aplicações de silicone industrial, que serve para peças automotivas, porque só assim, com muito pouco dinheiro, as mesmas conseguem ‘bombar’ o corpo para ficar à mercê do que é exigido no mercado de putas. Bundão, peitão, coxão…

MUITO AXÉ A TODAS AS TRAVESTIS E TRANSEXUAIS PUTAS DESSE BRASIL, E AS NÃO PUTAS TAMBÉM, QUE RESISTEM TODO DIA, LUTAM PARA SOBREVIVER. LUTAM PARA TER DIREITO AO NOME SOCIAL, TER DIREITO DE IR E VIR, DIREITO DE SER TRATADAS COMO SERES HUMANOS.

MUITO AXÉ!

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Cecília DellaCroix

Travesti, Drag Queen, Artista, Periférica e Afro-transfeminista

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